Ninguém sabe o porquê, mas o Vítor não consegue acompanhar a turma.
Ele já fez vários testes e foi encaminhado pela escola a vários especialistas. Porém nenhum deles descobriu o que ele tem.
Vítor escreve aglutinado (ele escreve assim), reconhece as vogais e consegue escrever palavras bem simples. Frases complexas, ele quase não é capaz de ler, muito menos de escrever.
E é claro que a situação dele gera impaciência por parte de todos na escola, especialmente de sua professora, que o considera um preguiçoso. Afinal, se ele não tem nenhum problema médico, não aprende porque não quer.
Hoje, Vítor novamente não conseguiu fazer o dever. A professora disse para ele:
– Você não faz porque você não quer. É porque não se esforça.
– Eu não consigo escrever mesmo, professora.
– Como assim, não consegue? Você tem duas mãos, não tem? Seus colegas também têm duas mãos, igual a você! Não tem nada que eles tenham que você não tenha. Se você não faz, é porque não se esforça e não presta atenção em nada que eu digo!
Não adianta discutir com a professora. Então Vítor continua lá, na base da “força de vontade”.
Bom, nós sabemos que a nossa sociedade privilegia determinados conhecimentos em detrimento de outros, e nós, claro, aceitamos e temos esse padrão como verdade absoluta, acreditando que sempre foi assim, como se não existisse um ONTEM ou um AMANHÃ, somente um HOJE.
Um exemplo: há muitos anos, havia escolas onde o aprendizado de tarefas domésticas, como passar roupa e costurar, era algo comum durante o ensino médio. Hoje, não mais. Ah sim, tínhamos também o ensino do latim, que há muito tempo deixou de ser ofertado.
Infelizmente, a educação brasileira nunca deu ao esporte a importância que ele merece (sim, é irônico que ainda sejamos conhecidos como o país do futebol). E nossas escolas estão LOTADAS de atletas que jamais saberão que são atletas, porque não recebem nenhum incentivo ou espaço para desenvolverem suas habilidades.
Na verdade, essas capacidades sequer são chamadas de habilidades. Isso só acontece depois que um atleta ganha fama e muito dinheiro. Nesse momento, ele deixa de ser aquele garoto que só perturba a aula, que não aprende nada, e vira um grande ídolo.
Ah, o Vítor é um desses casos. Não, ele não tem fama. Por enquanto, só o talento mesmo. Ele é “o cara” no futebol. Mas é claro que, na escola, ninguém está preocupado com isso, porque é consenso na comunidade escolar que os únicos conhecimentos importantes são os saberes de exatas e de língua portuguesa. Como futebol não se enquadra em nenhuma das categorias, lamento muito, mas saber jogar bola é dispensável na escola.
E SE, POR UM DIA, TUDO FOSSE DIFERENTE?
Nesse dia, o Vítor é o professor, e sua professora é sua aluna.
E, nesse dia, o conhecimento motor, a habilidade de projetar seu corpo de maneiras diferentes, de alcançar velocidade, agilidade, destreza, força e coordenação SÃO MUITO VALORIZADOS!
Só tem um problema para a professora: ela é péssima em tudo isso!
Nunca foi boa em nenhum esporte. E o Vítor vai dar aula justamente de futebol!
Depois de explicar as regras e de demonstrar na prática, Vítor pede que a professora faça “do jeitinho que ele explicou”. Mas ela é um fracasso! Se fosse para ganhar uma nota, com certeza, seria 0.
Então Vítor pergunta:
-Você tem algum problema físico ou mental que explique sua falta de habilidade?
E a professora responde:
-Eu não tenho, não.
E Vítor continua:
– Está faltando força de vontade, então.
– Mas eu não consigo fazer embaixadinha. Não dá!
– Como assim, não dá? Você tem duas pernas, não tem? O Cristiano Ronaldo tem duas pernas,igual a você, e consegue! Não tem nada que ele tenha que você não tem. Se você não consegue, é porque não se esforça e não presta atenção em nada que eu digo!
E agora Vítor vai ajudar outros alunos que têm “mais força de vontade”.
Sua professora só vai poder sair para o recreio depois que fizer pelo menos 10 embaixadinhas. Ela está tentando faz uma hora. Tomara que ela realmente se esforce e pare de enrolar. Já estão todos rindo dela. Se ela não fizer, Vítor está pensando em chamar os pais da professora para uma reunião. Quem sabe assim ela aprende?
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